segunda-feira, 12 de outubro de 2009

Bazar do desapego

BAZAR
Por Martha Medeiros

No mural do colégio da minha filha, encontrei um cartaz escrito por uma mãe, avisando que estava vendendo tudo o que ela tinha em casa, pois a família voltaria a morar nos Estados Unidos..

O cartaz dava o endereço do bazar e o horário de atendimento.
Uma outra mãe, ao meu lado, comentou:

- Que coisa triste, ter que vender tudo que se tem!

- Não é não, respondi. Já passei por isso, e é uma lição de vida.

Morei uma época no Chile e, na hora de voltar ao Brasil, trouxe comigo apenas umas poucas gravuras, uns livros e uns tapetes. O resto, vendi tudo. E por tudo entenda-se: fogão, camas, louça, liquidificador, sala de jantar, aparelho de som; tudo o que compõe uma casa...

Como eu não conhecia muita gente na cidade, meu marido anunciou o bazar no seu local de trabalho e esperamos sentados que alguém aparecesse. Sentados no chão. O sofá foi o primeiro que se foi.

Às vezes, o interfone tocava às 11 da noite e era alguém que tinha ouvido comentar que ali estava se vendendo uma estante... Eu convidava pra subir e em dez minutos negociávamos um belo desconto. Além disso, eu sempre dava um abridor de vinho ou um saleiro de brinde, e lá se iam meus móveis e minhas bugigangas.

Um troço maluco: estranhos entravam na minha casa e desfalcavam o meu lar, que a cada dia ficava mais nu, mais sem alma.

No penúltimo dia, ficamos só com o colchão no chão, a geladeira e a tevê. No último, só com o colchão, que o zelador comprou e, compreensivo, topou esperar a gente ir embora antes de buscar... Ganhou de brinde os travesseiros.

Guardo esses últimos dias no Chile como o momento da minha vida em que aprendi a irrelevância de quase tudo o que é material.

Nunca mais me apeguei a nada que não tivesse valor afetivo..

Deixei de lado o zelo excessivo por coisas que foram feitas apenas para se usar, e não para se amar.

Hoje me desfaço com facilidade de objetos, enquanto que se torna cada vez mais difícil me afastar de pessoas que são ou foram importantes, não importa o tempo que estiveram presentes na minha vida.

Desejo para essa mulher que está vendendo suas coisas para voltar aos Estados Unidos a mesma emoção que tive na minha última noite no Chile.

Dormimos no mesmo colchão, eu, meu marido e minha filha, que na época tinha 2 anos de idade. As roupas já estavam guardadas nas malas. Fazia muito frio.. Ao acordarmos, uma vizinha simpática nos ofereceu o café da manhã, já que não tínhamos nem uma xícara em casa.

Fomos embora carregando apenas o que havíamos vivido, levando as emoções todas: nenhuma recordação foi vendida ou entregue como brinde.

Não pagamos excesso de bagagem e chegamos aqui com outro tipo de leveza.

E lhes garanto: se só possuímos, realmente, na vida o que dela pudermos levar ao partir, é melhor refletir e começar a trabalhar o desapego já.


"Há quem passe pelo bosque e só veja a lenha para a fogueira." Tolstoi

Carrego comigo as minhas experiências estas não vem em malas, não pesam e nem ocupam espaços, elas são minhas, vieram junto com os anos que a vida me deu, chegaram junto com o meu amadurecimento, as minhas percepções, reflexões e principalmente as minhas decisões. Meus objetivos podem ser semelhantes aos seus mas as minhas experiências modelam-no de uma maneira particular aí esta a diferença...

Mariana Binato de Souza

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